Pandrogeny: duas partes de um único elemento
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Matéria de minha autoria publicada em 26 de agosto de 2015 no site da Obvious Mag
Link direto: http://obviousmag.org/graziele_lima/2015/pandrogeny-duas-partes-de-um-unico-elemento.html |
O que aconteceria se você amasse tanto seu parceiro a ponto de querer se transformar nele? Foi isso que fizeram Jacqueline Breyer e Neil Andrew Megson, respectivamente Lady Jaye Breyer e P-Orridge: usaram técnicas de modificações corporais, maquiagem e até imitaram um a maneira do outro, num projeto chamado Pandrogeny: tudo para ficarem iguais. Mesmo com a morte de Jeyer, o projeto continua: ela no mundo imaterial e ele aqui, no mundo material.
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Um garoto de cabelos escuros e lisos, com um corte estilo chanel. Olhos profundos, nariz arredondado e marcante, a boca formando meia lua para baixo. Essas características descreviam Neil Andrew Megson, nascido em 22 de fevereiro de 1950, na cidade de Manchester, Inglaterra. Entre 1964 e 1968 se interessou por arte, literatura e ocultismo, na mesma época em que estudou em Solihull School, localizada em Warwickshire, no centro da Inglaterra. Neil iniciou os estudos de Administração Social e Filosofia em 1968 na Universidade de Hull, mas logo abandonou, e mudou-se para uma comunidade contracultural. Foi lá que ele adotou seu “nome de guerra”: Genesis P-Orridge, inspirado na divindade Exu Elegguá da religião sincrética afro-caribenha de Santeria. No entanto, ele afirma não acreditar na existência literal dos deuses. Participou posteriormente do movimento chamado de “moderno primitivo” que defendia piercings e tatuagens. Foi também pioneiro na música industrial e na modificação corporal: teve seus órgãos genitais perfurados no início dos anos 1980.
Em 1993, conheceu Jacqueline Breyer, nascida em 1969. Ela frequentou escola católica e se interessou por imagens religiosas. Aos 14 anos fugiu, desembarcando em Manhattan na década de 1980 e participando da cena do punk rock. Era uma moça alta de nariz fino, lábios marcantes, olhos de meia-lua iguais à boca de P-Orridge. Mas os olhos e a boca não eram as únicas coisas em comum entre os dois. Lady Jaye Breyer, como Jacqueline passou a ser chamada, compartilhava outro interesse em comum com P-Orridge: modificação corporal. “Nos apaixonamos no minuto em que nos vimos, e à medida que se tornava mais e mais obsessivo o amor, nós tivemos toda aquela sensação de ‘eu gostaria de poder comer você. Eu gostaria de poder apenas tê-la, e eu me tornar você e você se tornar eu”, disse certa vez P-Orridge. E foi isso que eles fizeram. Tudo aconteceu logo após terem se conhecido. Lady Jaye vestiu-o com suas roupas, maquiou-o e colocou uma peruca em seus cabelos, na intenção de fazê-lo se parecer com ela. Esse foi o primeiro passo em direção a um projeto pessoal de transformação física chamada "pandrogeny", termo que eles explicam ser “uma palavra sem qualquer histórico ou qualquer conexão com as coisas, uma palavra com sua própria história e sua própria informação”. A finalidade era tornarem-se duas partes de um todo, onde o "pandrogeny" era o todo e P-Orridge e Lady Jaye eram as duas partes. “Ela me disse que me viu como uma imagem de espelho dela, e que nós fomos feitos para ser duas metades de um", disse P-Orridge sobre o projeto. Então, Genesis comprou o triplex que pertenceu anteriormente à avó de Breyer, e eles se mudaram para lá. Estavam, enfim, casados. Uma década depois o casal iniciou o processo para se transformarem na mesma pessoa. No Dia dos Namorados de 2003 os dois fizeram implantes de silicone com o Dr. Daniel Baker. Em seguida, modificaram o olho e o nariz e, alguns anos mais tarde, os dois gastaram cerca de US$ 200.000 em implantes de bochecha, queixo e lábio, lipoaspiração, tatuagem e terapia hormonal. Passaram a se vestir de maneira idêntica e a imitar até as maneiras um do outro. O projeto, segundo P-Orridge, testa os limites da identidade, tem a ver com ciência e comportamento. Em 2007, algo trágico para o projeto aconteceu: Jaye faleceu, aos 38 anos, vítima de complicações no coração por conta de um câncer no estômago. Ela estava prestes a fazer implantes de dentes de ouro para combinar com os de Genesis. Mas nem tudo se perdeu. A cineasta experimental Marie Losier reuniu oito anos de filmagens de suas vidas juntos, após a reunião do casal em Nova York, e se juntou a eles em uma excursão pela Europa da banda de P-Orridge, a Psychic TV. Ela os gravou no palco, em casa, no metrô, passeando pelo Brooklyn. Esse documentário foi chamado de The Ballad of Genesis and Lady Jaye. “Havia uma ligação incrível entre Gen e Jaye” disse Losier, acrescentando que um terminava a frase do outro. "Isso foi algo que me tocou ainda mais", frisa a cineasta. Apesar de serem artistas em primeiro lugar, durante o dia Breyer trabalhava como enfermeira com recém-nascidos em estado grave. Em algumas noites também trabalhou como dominatrix para clientes selecionados. Foi um trabalho que P-Orridge descreveu como "detectar e cuidar das emoções das pessoas". P-Orridge trabalhava como músico e artista de contravenção. Nos dias atuais Até hoje, P-Orridge refere-se a si mesmo como “nós”, pois acredita que sua esposa exista dentro dele. Eles foram casados por 14 anos, e P-Orridge refere-se à morte dela como "Lady Jaye, quando caiu seu corpo". Em janeiro de 2013, o site oficial de P-Orridge disse que "desde aquela época, Genesis continua a representar a amálgama Breyer P- Orridge no mundo material e Lady Jaye representa o amálgama Breyer P-Orridge no mundo imaterial”. É uma colaboração interdimensional em curso, assim, P-Orridge continua o Projeto Pandrogeny, tendo outras operações cirúrgicas ainda para fazer. O trabalho deles procurou forçar O público a pensar em maneiras que são estranhas à sociedade ocidental-cristã e foi fortemente influenciado por conceitos de esoterismo ocidental e paganismo. Genesis foi particularmente influenciado pelo artista ocultista do início do século 20, Austin Osman Spare, que desdenhava a moralidade da sociedade e tinha fascínio com a sexualidade e com o corpo humano. |